«Nem há um só instante que seja meu, e querem que eu saiba para onde me hei-de virar. Ah sei muito bem para onde me viraria, se a cabeça me obedecesse. Se querem que eu pareça preocupar-me com o que estou a fazer, só têm de repetir, se é que o disseram alguma vez. Repetir o tom, os termos, para eu pensar que são da minha lavra. Sempre os mesmos truques, desde que meteram na cabeça que a minha existência é só uma questão de tempo. Acho que tenho falhas de memória, que há frases inteiras que saltam, não, inteiras não. Talvez não tenha conseguido descobrir a chave do enigma da história. Mesmo que não o tivesse compreendido, tê-lo-ia revelado, é o que me pedem, e isso ter-me-ia sido tido em conta, aquando do meu próximo julgamento, sim, sim, de vez em quando julgam-me, são pessoas sérias. Um dia, talvez venha a saber, a dizer o que fiz de mal.»
Samuel Beckett, "O Inominável", Assírio & Alvim, 2002
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