sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Bilhete de Identidade

Tinha 20 e poucos anos. Usava t-shirt sobre jeans desbotados, com marcas escondidas, meio envergonhado por algum dinheiro que vinha do berço. Andava sempre assim vestido, tanto no verão como no inverno, altura em que por cima punha uma qualquer camisa que combinasse com a cor da t-shirt.
Tinha um riso fácil, tão fácil como adivinhar os olhos esverdeados que também riam com espanto, abertos, abertos, emoldurados em cílios revirados.
Encontravam-se várias vezes, a caminho de um e outro destino e seguiam juntos. Ele falava de estrelas e planetas. Queria ir ao céu, dizia, enquanto afastava uma melena castanha que, distraída, caía pela cara.
Outras vezes falavam de música e dos sons que traziam no mp4 escondido no bolso.
Eram conversas soltas que fluíam entre um passo e outro e assim se conheciam os gostos do dia-a-dia.
Habituaram-se a esta procissão quase diária em que a promessa era a de se começar o dia assim simplesmente. De tal o hábito, que cada vez que se aproximavam do ponto de cruzamento, se os olhos não avistavam até ao final da rua o vulto, atrasavam-se os passos lentamente para que se ganhasse tempo.
Um dia fizeram contas e riram com o ano que já passara sem que se desse por isso e foi então que o rubor, pela primeira, vez veio às faces perguntar-lhe como se chamava, ao que ele respondeu baixinho “ Posso ter um nome diferente todos os dias, se quiseres. Serei Pedro, Paulo, António, José ou João, desde que me deixes ser o teu bom-dia.”
E assim foi, sem mais nem bilhetes de identidade, que de todas as noites a cama sorria por logo, logo ser manhã e ter um bom-dia, na mesma esquina, passo após passo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Tasmanices XXX

A Diaba acordou 30 minutos antes de qualquer despertador tocar! Veio enfiar-se na minha cama enroscou-se e começou a falar e a falar e a falar.
Mãe- Ó filha, ainda é cedo. Vamos dormir mais um bocadinho.
Diaba (com um ar divertido) - Ó Mãe, vá lá, vamos aproveitar que estamos aqui juntas!
(só mesmo tu, Diaba, para me fazeres acordar e ouvir 30 minutos de tagarelice e ainda por cima responder com um sorriso!!)

Torrentes

Do nada, veio a revelação: passaria a tratar todos os amores que por ela passassem por Muito. Sempre tinha gostado de nomes com M e Muito parecia-lhe adequado.
Logo a primeira vantagem era a de nunca mais se enganar num nome. Essa coisa que acontece e embaraça em faces ruborizadas a quem diz e a quem ouve. Seria sempre Muito, nada de Antónios ou Franciscos, Diogos ou Tiagos. Apenas Muito.
Os diálogos também ganhavam. As frases, ditas em sussurro ou em gritos ao mundo “Muito, meu Amor”, “Apeteces-me Muito” .
Quando na esplanada, a essa hora em que o mar engole o sol, ele se virasse e perguntasse “Gostas de mim?” só teria de responder “Muito…” e tudo estava no lugar certo.
Muito, Muito e Muito. Como gosta, sempre com Muito.
A ideia sobrevalorizada e ambicionada do “Felizes para sempre” também ganharia. Seria Ela&Muito para sempre. Independente do estilo do lado, das feições recortadas ou da cor de cabelo.
Anos e anos a passar e ao encontrar a amiga que não se via desde a Primavera passada, entre cumprimentos “então e estás com quem? “ , “Com o Muito”, responderia com um sorriso à palhaço. Bonita a imagem da permanência até que a voz, e todo o corpo, doa.
Era, sem dúvida, uma Muito boa ideia, pensou.
Se podia querer menos que Muito? Podia, mas não era a mesma coisa.

Ai que nervos!

Coisas que me irritam até à medula:
- Gente que começa o dia no meio da trânsito a olhar os outros condutores com olhares de assassinos esfomeados, enquanto businam e gesticulam como se disso dependesse a vidinha triste que levam, enquanto se está parado numa fila enormeeeee, que, obviamente, não vai começar a andar só porque eles querem!

- Gente que, em ambiente de trabalho, mete o bedelho em tudo, apanha conversas de outros a meio e resolve meter-se, mesmo não sabendo do que estão a falar, e criar toda uma crise mundial por causa de um cabelo que nem sequer é do pelouro deles!

- Conversas do genéro:
"-Tu estás bem?
- Estou sim, obrigado.
- Estás calada.
- Só não me apetece falar, mas está tudo bem.
- Mas o que é que tens?
- Nada, estou bem.
- Humm, eu conheço-te. Tu tens qualquer coisa.
- A sério, está tudo bem.
- Pronto se não me quiseres dizer, tudo bem, mas tu tens qualquer coisa.
- Obrigada, mas a serio, está tudo bem.
- A mim não me enganas que eu conheço-te. Tu tens qualquer coisa."
( Pois não tinha, mas agora tenho uma vontade enorme de te espancar! Está bem assim???)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

UTC

O Tempo Universal Controlado fez mudar a hora e os dias estão agora mais pequenos. Ela sabia-o de cada vez que olhava a noite. Continuava a correr de um lado para o outro, agora com mais pressa ainda, porque os dias estão mais pequenos. É já noite quando sai para ir buscar as mãos das compras para o jantar, e carregar escada acima, até que não se volte a sentar a não ser quando for tempo de descalçar as meias e deslizar as pernas para baixo dos lençóis que estão frios.
Contas feitas, os dias estão mais pequenos é mais fácil escapar em desculpas de não sair para o café ou cinema, mão dada, e fugir aos pequenos espaços deixados livres para as conversas que não existem deixando uma boca aberta ao suspenso.
E de greve em greve as palavras também vão ficando mais pequenas, como os dias.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Definições

Chegados ao quarto, os lábios sussurravam-se:
"Vim aqui amar-te. Deixas-me?"
"Não digas nada, que o Amor não se pede, faz-se."

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Only the truth

Era o seu último gesto.
Tinha pensado meticulosamente como seria, ponto por ponto, segundo por segundo. Seria o último gesto, decidira.
Curiosamente sentia-se tranquilo, ao contrário do que pensava que iria sentir. A inevitabilidade do último. E tudo calmo.
Claro que admitia uma qualquer percentagem de não ser. Sabia bem demais que o nunca namorava o sempre, como o amor o ódio e o dia a noite.
Não controlava tudo, mas todos os planos tinham sido traçados medindo segundos.
As pessoas, como as coisas, são o que são e agora que da noite se adivinhava o relógio, era tarde demais para mudar e por isso ficava na decisão tomada.
Ia ser o último gesto. Como o último sorvo da bebida que se servira em gelo da fria torneira que parara de jorrar no coração seco demais para pulsar.
Desligou o computador. Estava feito.
Agora era esperar pelo som metálico que faria acompanhar o calor súbito.

há anúncios muito bonitos!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tasmanices XXIX

Ao jantar a Diaba falava sobre o estar descontente com a escola:
Diaba- Sabes é que as professoras gritam muito.
Mãe- E isso incomoda-te, filha?
Diaba- Sim, eu não gosto do som!

(Certo filha, podias não gostar do que implica gritar, podias achar que há outras formas de falar, de sentires que não gostam de voces por causa disso... sei lá,tanta coisa, mas não, é o som! Certo, amanhã vou já falar com as professoras para gritarem de outra forma...)

Variações

Podia variar. Experimentar qualquer coisa diferente. Sei lá, um sabor a iogurte em vez da pasta de dentes de mentol, um gancho no cabelo, uma pura vaidade sem ferro que marque a terra a frio.
Fazer aliterações com R, rebentam em marés de risos rasos, os segredos dos lírios que mostram o teu ser, aberto, a rodar em mim, redonda de te ter.
Qualquer coisa de diferente. Sentar-me num banco, todo branco, sem nódoas, sem riscas, a ver pássaros que se esqueceram da emigração. Eu que não sou fã de penas, nem das que voam, nem das que doem.
Podia variar, fazer a tal maionese que se fala, há tanto tempo anunciada, servi-la em pequenos cuidados frescos sem atenção ao colesterol e dimensões de cintura, escorre-la boca abaixo em delírios alucinados.
Porque o corpo cansa-se do encaixe. De estar sempre a encaixar em qualquer pequeno espaço, à procura de um ninho onde ficar por um bocado.
Haverá sempre lugar no sofá velho da casa amarela do fundo da rua, onde ninguém habita, mas que está sempre cheia de procura. Mas não é ali que o corpo recupera.
E por isso apetecia-me variar. Talvez assim matasse o espaço sempre igual de nada ser sem variar. Em variações...
"Vem outro dia e tudo se repete
E vais deixando ficar tudo igual"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Peter e Eu

Vou-me sentar, naquelas cadeiras, numa sala onde às vezes cheira a mofo, o que contraria com toda a juventude que está fora. Vou-me vestir cuidadosamente, perfumar, substituir os óculos por lentes e sentar-me em frente ao palco. Eu e ele frente a frente. Sozinhos os dois. E ele vai falar-me de um amor estranho.

" There is no middle ground
Or that's how it seems
For us to walk or to take
Instead we tumble down
Either side left or right
To love or to hate"

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Cotação

Vem à lembrança de quando as letras vinham e iam, difusas, incompreensíveis de só reconhecer o “t” e o “u” combinados da mesma forma, “tu”, “tu” e “tu”.
Não poder escrever mais. As palavras escritas nem sempre são iguais às sentidas e, perdida, não saber de qual forma a verdade.
Que se danem os dicionários, prontuários, que alinhados não têm entrada da palavra certa para o hoje na pele.
Como um leve roçar dos lábios num peito inchado, em mamilos apontados e as mãos que passeiam, lentamente em direcção às coxas que se abrem para os mesmos movimentos. Nunca igual e não há uma palavra só que defina.
Porque das mesmas palavras se escreve Amor e Roma e são tão diferentes ou tão iguais na mostra da devoção e da sujidade.
E o eu, antes tu, a não ter compreendido tudo, a faltar um espaço, um intervalo, um completar de frase, quando a nossa desilusão descansa entre nós e os “felizes para sempre” não passa de uma expressão sobrevalorizada em bolsa.

Galácticas

Um conhecido astrónomo dizia, numa conferência, que olhar o céu não é uma questão metafísica. Quis levantar-me e dizer que está errado, porque é mesmo isso quando olhamos e bradamos aos céus ou quando a Diaba olha as estrelas e diz que lá é um lugar mágico.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Telefonema

E quando do toque se levanta o auscultador e do outro lado pergunta se é do cardiologista , vem a resposta, chorada de tristeza, que não, que não é aqui mas que é pena que não seja porque dos males do (meu) coração deveria cuidá-los melhor.

domingo, 18 de outubro de 2009

Arterial

Tonta?? Pois... talvez a tensão a 8/4 seja uma boa explicação para a "tontice". :)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Chaga

Quando à noitinha lambo as feridas do dia e me lembro desta irritante mania de me apaixonar à parva, é sempre esta música que me acompanha:

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar
que ha um fim
ahhhhh ahhhhh ahhhh

diz sem querer poupar meu corpo
eu ja nao sei quem te abracou
diz que eu nao senti
teu corpo sobre o meu
quando eu cair,
eu espero ao menos
que olhes para tras
diz que nao te afastas
de algo que é também teu
nao vai haver um novo amor
tao capaz e tao maior
para mim sera melhor assim
ve como eu quero
eu vou tentar
sem matar o nosso amor
nao achar que o mundo é feito para nós
ohhh ohhh ohhh aahhhh aahhhh aaaaahhhhh

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que ha um fim
ahhahh
uma chaga pra lembrar que ha um fim

Chaga- Ornatos Violeta in O Monstro também precisa de amigos

Chris

Sempre gostei de te ouvir, Chris Cornell. Gostei de ouvir Soundgarden, gostei de ouvir Audioslave, gostei de te ouvir a solo.
Para além da tua voz meio gritada e meio rouca e do tipo de música, sempre gostei de ti, Chris homem. Olhos de alucinado, daqueles que nos despem as entranhas num só segundo. Tens ar de mau desvairado. Gosto! Muito!
Como é que me pagas a minha devoção? Fazes isto !
Ó homem, onde é que tu estavas com a cabeça??? O que é isto???? Volta lá a ser mauzinho, ok? Que não te apanhe outra vez nestes preparos!
Pronto, foi um deslize, todos cometemos erros! Não se fala mais nesta coisa, tá bem?

Prestação

Parece que ainda tenho muita continha para pagar. Parece que mandei muita gente para a fogueira ou coisa assim. Pois lá veio a continha deste mês na versão portinha do carro metida dentro. O que vale é que a miúda ainda se amanha e com cuidadinhos extremos lá consegui puxar a chapita de forma a o vidro voltar a abrir na totalidade.
Também já estávamos a meio do mês! Já era altura.
Será que ainda falta muito para pagar tudo? É que já me sinto um bocado cansada de estar sempre a acontecer qualquer porcariazinha!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Toma lá!

Ei, pssst, pssst. Tu, sim tu!
Conseguiste o segundo feito (o primeiro foi calar-me! Eheheh). O segundo é fazer-me ir ler textos antigos, só para tira teimas.
Voltei a ler e, se fosse hoje, voltaria a escrever exactamente o mesmo e a assinar por baixo.
Volta-se, pode voltar-se sempre. Já o fiz e não me arrependo um milímetro. Faria outra vez se a vontade fizesse sentido. Mas não faz, nem vontade nem sentido.
E não, não estou a ser teimosa. Sei-o intimamente.
Tão certo como saber que até se pode comer e gostar de comer um cozido, mas aquilo que nos sacia e enche é um belo prato de pasta.
Tão certo como saber que quando olho para qualquer lado, não é essa a imagem que eu tenho, nem esse cheiro que sinto.
Tão certo como saber que é um pleno: racional e emocional.
Tão certo como saber que quando me perguntas se sei o que eu quero e eu te respondo que sei bem o que não quero, na realidade tambem sei onde "me quero".
Tão certo como saber que tu sabes muito bem do que falo.
Tão certo como saber que o que gostas é de me ouvir falar à tonta. Eheheheh
São assim pequenas certezas desta miuda que não é bem da Terra mas mais lá para os lados da Europa, Lua de Jupiter, porque é por ai que orbito. :)

Silêncio

Pediram-me para falar sobre o silêncio, e eu, que faço textos por medida, alinhavo com cuidado as bainhas do tecido e digo que sim.
Pediram-me para falar sobre o silêncio, o que é ridículo porque do silêncio não se fala, ouve-se.
Haverá sempre um silêncio. Um qualquer. Meio escondido, meio oferecido. Qualquer coisa entre os momentos e os risos das músicas. Um vazio de termos.
Haverá sempre um silêncio. Um silêncio, erva daninha, quando do tanto que há falar não se diz e tudo está mal. Do silêncio que não se quer ouvir do que se quer dizer. Ou aquele outro em que o há a dizer não é para ser dito sem que os ouvidos tenham a preparação prévia de operação de peito aberto “eu dou-te esta palavra que vale muito. Ouve-a por baixo do peito esquerdo”.
O silêncio soluço que vem aos bo-ca-di-nhos intermitentes com dificuldades de comunicação dos males que vêm ao mundo por muito se falar sem continuidade da acção e o corpo cansa da mímica continua dos lábios. Ou de quando se cala porque não há proveito em falar o que se quer em voz melodiosa ou em rajadas de fogo, do apaixonar pelo silêncio que é o mesmo que apaixonar-se sozinho sem troca de fluidos cuspidos num simples “Olá”.
Haverá sempre um silêncio, um outro silêncio. Um silêncio bonito quando o sol é engolido pelo mar em cor laranja e nada mais é preciso porque o amor é dos que se olham num olhar puro para o outro.
Um silêncio que transborda a emoção e se é sofá fofo para a festa de tudo estar no sitio certo.
E eu, mulher que não se cala, remeto-me a silêncios vários quando quero dizer que nada é inacessível no silêncio das espumas várias.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Espionagem

Gostava de ser uma verdadeira Mata-Hari, um Sherlock de cachimbo ou mesmo uma invisivel sombra.
Seguiria todos os teus passos e descobriria os teus segredos, um por um.
De pista em pista, hoje um livro, amanhã uma música, todos os dias os gestos repetidos, ia construindo o puzzle de que és feito.
Iria vestir-me de menina da TV Cabo e faria , no umbral de tua casa, um inquérito extensivo enrolado de perfil de consumidor para saber dos teus olhos frente a monitores.
Se calhar, interpelava-te na rua e perguntaria dos hábitos de consumo, à porta de um supermercado, só para saber de que compras se enchem a tua despensa e tu como armário.
Não tenhas dúvidas que, mestre na subtil perseguição, saberia as horas a que te levantas e te deitas e como gastas o tempo intermédio. Não que queira vigiar por onde andas, mas porque importa muito conhecer cada bocado de ti no mundo exterior.
Com toques misturados de ciência, seria a pequena cápsula, nano, que engolirias sem dar por isso.
Das tuas entranhas faria mar, à laia de portuguesa dos descobrimentos, até parar no coração e aí descortinar de que câmaras estás cheio.
A ligeira dor de cabeça, vertigem, que sentirias, seria eu que tinha seguido viagem até do lóbulo frontal fazer escala para todo o emaranhado do teu cérebro.
Era assim que te queria conhecer, por dentro e por fora, todos os milímetros do teu ser e assim descobrir-me eternamente apaixonada pela verdadeira cor do teu cabelo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Melinda e a hora

De todos os sinais, prenúncios, que se mostraram, houve dois que Melinda viu com os olhos em forma de coração a bater descompassadamente.
O primeiro foi durante a tarde, quase final, o sol a começar a ter a cor de uma laranja. Teve de esfregar os olhos para ter a certeza, mas era mesmo isso. Por baixo da sua janela, presa no alto do gigante morro onde morava, centenas de borboletas passavam.
Esfregou novamente os olhos e teve a certeza. Eram mais de trezentas e voavam sobre aos baloiços do parque infantil, que pintados de cores fortes pareciam flores vistos de cima. Eram mais de trezentas e formavam uma nuvem, juntas, asas em sintonia.
Estava calor, muito calor e toda a gente sabe que as borboletas da Europa vão fugir para o Norte por causa do calor, mas para Melinda este foi o primeiro dos prenúncios que lhe sussurrava o interior que alguma coisa estava para mudar.
Sentia-o no ar, no formigueiro que lhe descia pela espinha, nos pequenos sinais dados pelo gato, que entontecido ladrava e corria atrás do seu próprio rabo.
Alguma coisa estava para mudar, pensava enquanto batia a massa do bolo e, distraída, acrescentava sal em vez de açúcar.
Melinda ficou mais atenta depois das borboletas. Deixou a janela aberta, com uma vela parapeito, não fosse o escuro querer entrar e não saber como. Mas nada aconteceu. O escuro adormeceu e o vento estava noutras paragens. Só o calor continuava e Melinda decidiu ir para a cama.
Foi nessa altura que a viu. A estrela, que caindo lá de cima, abriu o pára-quedas mesmo à sua frente e sorriu. Acenou-lhe docemente e, num só gesto, puxou os fios e desapareceu.
Foi o segundo prenúncio e agora Melinda tinha a certeza.
Dizem que às estrelas cadentes se pede um desejo, mas quando Melinda se lembrou já era tarde demais. Ainda assomou à janela mas da estrela já nem cauda.
Voltou para dentro e soube que se devia deitar vestida com o fato de banho e a toca que a manhã viria com o prenúncio das águas leva-la nas costas dos caranguejos que subiriam o morro e a iriam buscar. O seu trabalho estava feito ali, era hora de partir sem olhar para trás.

Saramago

Tasmanices XXVIII

Tudo serve para conversar quando andamos de carro só as duas. Acerca de como se escrevia a palavra "cinema" veio a seguinte pergunta:
Diaba- Mãe, sabes o que eu queria mesmo saber? Mesmo, mesmo? Era saber porque as coisas se chamam como chamam. Por exemplo, porque é que o Sr. que disse que isto era uma garagem, chamou a isto garagem? Porque é que uma cadeira se chama cadeira e não outro nome?
(Aiiiiiiii, e agora??? Começamos já assim? Vais equacionar tudo na vida???? Aiiiiiiii)

A Diaba é um bocado ansiosa. Há assuntos que a preocupam recorrentemente e fica ansiosa com isso. Um deles é a mudança de escola no próximo ano lectivo, quando entrar para a primária. Usa todas as desculpas para justificar que não deve mudar de escola e deixar os amigos.
Diaba- Mas ó mãe eu não quero ir para a escola.
Mãe- Mas porque filha?
Diaba- Porque depois tenho de levar o Magalhães e ele é muito pesado!
(De todas as coisas que se disseram sobre o Magalhães, faltou esta: o magalhães pode causar hernias discais às crianças! )

sábado, 10 de outubro de 2009

Ontem, enquanto cozinhava uma nova entrada, feita lambona, resolvi provar e queimei o lábio. Muito mesmo.
Não disse asneiras nem bati em ninguém. Podem avisar os Srs suecos para me darem o Prémio Nobel da Paz?

Tasmanices XXVII

Diaba- Mãe, estivemos a fazer máscaras para o teatro e eu vou ser a lua.
Mãe- Que bom filha e como é a lua?
Diaba- É uma lua de algodão doce. E eu gosto muito porque é algodão e é doce e é bom de abraçar e ficar colado!
(Posso abraçar-te num abraço sem fim e ficar sempre coladinha a ti? Posso, minha lua de algodão doce?)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Mixed

É uma sensação estranha, engraçada de boa, ver um texto nosso publicado num outro lado :)

Atchimmmm

Sei tão bem o mal que faço a mim mesma quando não curo constipações, e de uma vou indo para a outra e assim sucessivamente, em camadas.
Conheço bem demais os sintomas deste desleixo em que me desculpo de ter sempre de ir para a frente e não se poder parar.
Um dia, uma só gota de chuva nos meus pés vai provocar a pneumonia que me levará à cama com cuidados médicos redobrados aos pulmões em renda.
Ou então acontece um qualquer milagre e uma só gota de chuva nos meus pés vai provocar a cura certa ao sol. Gosto mais de acreditar neste final e por isso vou, mesmo sabendo muito conscientemente do mal que me faço.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fly

Habituada que estou a "hoje é hoje, amanhã logo se vê", "sei lá como vai ser a próxima semana quanto mais o próximo mês", de tantas voltas que a vidinha, essa coisa, me obriga ( e eu que não gosto de montanhas russas!) a dar em trejeitos de cintura que me dá dores na coluna, fruto da lombalgia crónica vinda dos saltos, habituada que estou, dizia eu, surpresa, surpresa, marquei uma viagem para Fevereiro.
Agora benzo-me e espero as graças dos céus para que se houver volta seja de 360 graus e possa tudo voltar a como está hoje mas já com malas feitas.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Photo Plus

Há cores que te iluminam e realçam as linhas fortes do rosto. Pode ser do tempo, que de chuva com meio sol, faz arco-íris e pelo meio apareces.
Na verdade não és incolor, nem indolor se pensar bem. Não és nenhuma destas palavras começadas por in, inodoro, indiferente.
Há sempre qualquer coisa do teu cheiro, da tua cor nas ruas por onde passo e onde te espreito até à dor moinha que me lembra do meu nome querer ser paz e não D. Quixote contra moinhos inventados.
Incoerência dos lados, como se fosse a antítese, o paraíso e o inferno, do lado emocional que faz beicinho e seduz o racional a baixar armas contra o invencível.
Não te luto, porque não quero de outras continuar a fazer guerras com despojos e mortos às centenas e já não sinto o bastião da batalha, mas luto-te quando de preto vejo as cores que te iluminam. E não és incolor.

Tasmanices XXVI

A Diaba e a sua fértil imaginação, resolveu fazer um livro. Escreveu todas as palavras. Dizia o que queria escrever e eu ditava-lhe as letras que ela desenhavam em tamanhos diferentes, ora muito grandes ora pequenas. Resolveu, também, que seria ela a ilustradora e fez os desenhos que acompanhavam o texto. Agora quer "publicar", furar e colocar num dossier.
A história:
A Raquel Bela
A Raquel estava em perigo (desenho da Raquel). Os pais da Raquel também estavam. A Raquel foi visitá-los à esquadra (desenho dos pais na prisão. Com grades e tudo!). Eles eram pobres e estavam presos. Depois a Raquel soltou-os e um Rei deu-lhes sacos de dinheiro e joias. Eles compraram uma casa com piscina e viveram ricos e felizes (desenho dos pais da Raquel com sacos de dinheiro e grandes sorrisos. Atrás um carro da policia a escoltá-los.)

( eu hesito entre o orgulho e o medooooo...)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Não me apetece escrever... só "roubar" III

(...) Anyone can answer their own questions
All you have to do is look inside
Inside, inside
You know it inside
You know it will be alright
Alright, alright
You know it's alright

I'm moving on
I hope you're coming with me
Cause I’m not strong
Without you

Don't blame it on
Your shadows

Cause I know all
About you (...) "

Au Revoir Simone - Shadows

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Não me apetece escrever... só "roubar" II

(manlady) I can read

Não me apetece escrever... só "roubar" I


(by rockettoanasteroid) I can read

Breakfast, lunch and dinner

"You know what's wrong with you, Miss Whoever-you-are? You're chicken, you've got no guts. You're afraid to stick out your chin and say, "Okay, life's a fact, people do fall in love, people do belong to each other, because that's the only chance anybody's got for real happiness." You call yourself a free spirit, a "wild thing," and you're terrified somebody's gonna stick you in a cage. Well baby, you're already in that cage. You built it yourself. And it's not bounded in the west by Tulip, Texas, or in the east by Somali-land. It's wherever you go. Because no matter where you run, you just end up running into yourself."

BREAKFAST AT TIFFANY'S