sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Bilhete de Identidade

Tinha 20 e poucos anos. Usava t-shirt sobre jeans desbotados, com marcas escondidas, meio envergonhado por algum dinheiro que vinha do berço. Andava sempre assim vestido, tanto no verão como no inverno, altura em que por cima punha uma qualquer camisa que combinasse com a cor da t-shirt.
Tinha um riso fácil, tão fácil como adivinhar os olhos esverdeados que também riam com espanto, abertos, abertos, emoldurados em cílios revirados.
Encontravam-se várias vezes, a caminho de um e outro destino e seguiam juntos. Ele falava de estrelas e planetas. Queria ir ao céu, dizia, enquanto afastava uma melena castanha que, distraída, caía pela cara.
Outras vezes falavam de música e dos sons que traziam no mp4 escondido no bolso.
Eram conversas soltas que fluíam entre um passo e outro e assim se conheciam os gostos do dia-a-dia.
Habituaram-se a esta procissão quase diária em que a promessa era a de se começar o dia assim simplesmente. De tal o hábito, que cada vez que se aproximavam do ponto de cruzamento, se os olhos não avistavam até ao final da rua o vulto, atrasavam-se os passos lentamente para que se ganhasse tempo.
Um dia fizeram contas e riram com o ano que já passara sem que se desse por isso e foi então que o rubor, pela primeira, vez veio às faces perguntar-lhe como se chamava, ao que ele respondeu baixinho “ Posso ter um nome diferente todos os dias, se quiseres. Serei Pedro, Paulo, António, José ou João, desde que me deixes ser o teu bom-dia.”
E assim foi, sem mais nem bilhetes de identidade, que de todas as noites a cama sorria por logo, logo ser manhã e ter um bom-dia, na mesma esquina, passo após passo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom-dia!

Com a mesma ansiedade com que antes dizia: até amanhã...