quarta-feira, 1 de julho de 2009

Roupas

-Estava a pensar…as palavras também se gastam - disse ela, enquanto acendia um cigarro.
-Não percebo o que queres dizer - respondeu ele distraído.
-É isso. As palavras também se gastam. De tanto se dizerem, de tanto se usarem, perdem o sentido do que são. É preciso poupá-las - continuava ela - é preciso saber usar só quando são adequadas.
-Ai é? - Gracejou ele - como é que se gastam? Se as disseres muitas vezes deixas de as ter para dizer? A tua boca fecha-se àquela palavra e ficas com um bloqueio?
- Não rias. Eu explico-te. Se olhares para o teu guarda-roupa vais reparar que tens roupa que usas todos os dias, casualmente, quase farda. Roupa que tem como objectivo cobrir a tua pele todos os dias. Mas depois, tens roupa que é usada em situações mais especiais. A roupa domingueira, como se dizia antigamente. A roupa de ir à missa ou a um evento onde queres estar no teu melhor. A tua melhor roupa.
- Ainda quero ver onde isto vai dar - afirmou ele - agora mais atento.
- Então as palavras devem ser assim também. Há as que são de uso diário, como “bom dia”, “obrigada” coisas assim, e depois há as que devem ser usadas em situações especiais. As que têm mais valor, as que são melhores. Essas devem ser usadas nas alturas certas, para que não sejam do dia-a-dia, para que não sejam banais e não se gastem. Assim permanecem sempre com o sentido que têm.
- Então, todos os dias tenho de pensar que há palavras que não devo gastar?
- Exacto. É isso mesmo. Porque, repara, se todos os dias usares, por exemplo, Amor, quando for mesmo isso que queres dizer, que palavra vais utilizar?
- Mas eu digo-te Amor todos os dias- afirmou ele.
- E é por isso que eu não acredito- disse ela- já gastaste a palavra. Ela já não tem sentido.

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