quarta-feira, 17 de março de 2010

Cartas da Tasmania

Escrevo-te porque não posso ir com este peso todo para casa, para ao pé de ti.
Há uma sombra triste e não mereces que a leve.
O telefone tocou no gabinete ao lado e anunciou uma morte, com todo o peso imensurável que a noticia traz.
Nunca se anuncia uma morte e esta que vem com o fim de uma juventude, assim de repente, faz rebentar tudo à sua volta.
Fez-me recuar os teus seis anos até à altura em que o teu parto estava previsto para o dia em que a M. fazia anos. Nasceste mais cedo e a M. não chegou a celebrar o seu aniversário desse ano.
Devia haver uma lei, qualquer, divina, que proibisse os filhos de morrerem. É antinatural! O silêncio de um filho é uma coisa que não existe, que não se vive, que não se enquadra. Será assim também um silêncio de um pai, digo eu, afortunada por ter os meus, mas de um pai parece que está pré destinado, o de um filho não e nasce a revolta.
Lembro-me disso muitas vezes. Muitas. Talvez porque o teu nascimento foi um mês depois da morte da M. e isso, na altura, foi das maiores violências que senti.
Tinhas quinze dias, e a propósito de um bolo de laranja, fiquei com uma alergia por todo o corpo e tu ficaste também.
Nesse dia eu olhei para ti e pensei “ Não te posso amar tanto, porque se acontece um acidente como foi com a M. eu não vou aguentar. “ O ter noção deste pensamento foi um choque para mim, como se estivessem a espetar-me facas. Repara, nunca tive dúvidas que queria ser mãe. Nunca tive dúvidas que te queria muito. Nunca tive dúvidas da felicidade que foi nasceres. Nunca tive dúvidas e por isso a noção do que pensei desfez-me em mil pedaços.
Não te vou dizer que foi fácil, mas foste tu que fizeste desaparecer tudo. Que me conquistaste e conquistas todos os dias. Sei que amanhã, amo-te um bocadinho mais do que te amo hoje. Sempre, sempre mais.
Continuo com medo. Medo todos os dias e de várias espécies. É aquela coisa de viver com o coração fora do peito, mas tento que nenhum destes medos seja uma barreira a nós e ao mundo. A viagem mais fantástica que podia fazer é a que faço contigo todos os dias.
Hoje voltei a lembrar-me disto tudo, porque no gabinete ao lado o telefone tocou e anunciou a morte de um filho e eu não consigo conter as lágrimas.
Não as quero levar para casa, quero deixá-las neste canto e um dia, quem sabe, mostrar tas.
Um beijo, à esquimó, um beijo de borboleta, um beijo no coração.
Mãe

1 comentário:

Anónimo disse...

um beijo de todo o tamanho
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