sábado, 16 de janeiro de 2010

Conversas com chá

Sentaram-se frente a frente. Como se tivessem acabado de se conhecer e no meio havia uma mesa de distância para impor as mãos no sítio.
Reparou como era engraçado a expressão do corpo que não mente. “É ai que te quero até que me ouças e queiras vir aqui.”
Sentaram-se frente a frente como se não tivessem já partilhado uma cama e não houvesse a confiança dos cheiros.
Lá fora ouvia-se o vendaval, talvez o Demo andasse à solta, mandando chuva para servir de banda sonora às palavras que se queriam ter. Era absolutamente necessário – dizia ela - que ele percebesse que do acto físico não nascia nenhuma prisão para além da vontade. Não queria nada que fosse desenhado numa claridade qualquer que não existia em nenhum dos dois. A vivenda com cerca branca não era o imóvel perfeito para rasgos de tensão física que se queriam rebentar por anos de clausura.
E dizia-lhe isso, em suaves e treinados trejeitos de lábios, som por som, que dali só deveria vir o grau zero de não haver nenhuma ideia de amanhã. Nem obediência, que do que se passava em noite escura não interessava se ao sol os passos eram todos de outras direcções.
Tinha de lhe dizer que de lhe beber o corpo era a alma em estado puro, sem enganos dos jogos de xadrez a que os outros chamavam de sedução, que lhe vinha à memória como dois bons amigos que se conhecem por dentro e por fora.
Que de ser sua, por baixo de si, apenas abria portas ao momento da vontade e não firmava contrato a termo ou incerto, que sabe-se lá onde se assinaria, e por isso não valia a pena pensar se fazia bem em tocar-lhe, pois que o fazia tão bem quando a apertava.
Sentava-se à sua frente para lhe dizer que lhe queria conhecer dos gestos e dos gostos, do bater do coração e das asneiras que dizia quando se entalava. Que dos hábitos da rotina lhe ouviria o que quisesse dizer e que o total mensal não era contabilizado no dia a dia como se fosse um picar de ponto. Que lhe queria da inocência, da pureza do que eram, duas crianças frente a frente, e que só por isso era obrigatório o rasgar do corpo para que nada impedisse.
Quando voltaram a olhar a mesa tinha caído e à frente estava um campo que se fundia no mar.

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