Podia ser bonita. Não sabia. Da primeira vez que a viu não percebeu. Não se lembrava qual tinha sido o seu primeiro pensamento. Nem o último, interessasse para o que interessasse. Mas lembrava-se do riso, sincero de boca aberta. Das pequenas palavras, da gaguez que veio com rubor. Não se lembrava do primeiro pensamento, mas lembrava-se do segundo, de pensar que os cabelos eram negros e convidativos, que pareciam amarras, fortes. Que tinha ondas onde o tempo não fazia espera. Que lhe apeteceu dizer que parecia uma casa, larga e acolhedora, convidativa a entrar e sentar.
Depois disso, lembrava-se de a ver vir, calmamente, de todas as vezes que vinha sem ser convidada, entrando no seu tempo que tudo prometeu esquecer,ou mudar, diziam os ditados, mas que nunca mais vinha tornar o presente em frutos vermelhos que escorressem sumo.
Ela vinha, enroscada como animal com as pálpebras docemente adormecidas. Podia ser ali. Ou em qualquer outro sitio do mundo. Ele não se lembrava. O mais certo era querer escapar para qualquer parte longe do perigo. Longe do rasgo no tecido que não mais voltaria a ter a mesma trama.
Ela vinha como uma sombra que mexia em qualquer coisa, que acompanhava, mas o mais certo era estar sozinho e ele não se lembrava de como ela era. A não ser os cabelos negros e a boca aberta.
Houve um dia, que para espanto do silêncio, ela disse “Vem ter comigo. Que eu não espero mais no lugar da distancia das coisas”.
Estranho o pensamento que caiu. Somos pedras, mudas, imóveis. Estranha essa viagem que não tinha começado, foram outros e outros a acabarão.
Então ela foi embora.
Quando ele chegou, já era tarde demais. Agora lembrava-se de tudo. Da brancura da pele, da seda do toque, do primeiro pensamento “És tão bela!”
Do amor sombra. Do espaço entre as coisas e as vontades. Agora vazio.
De que falariam hoje os animais escondidos aos seus olhos?
segunda-feira, 25 de maio de 2009
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