Conheço-a desde 1998. Podia ser minha mãe, embora seja um pouco mais nova que a minha.
É bonita. Anda sempre bem arranjada, ligeiramente maquilhada, unhas pintadas, cabelo pintado e bem penteada.
Sempre a conheci assim por fora e com um grande sorriso por dentro. Por vezes surpreendia-me com pequenas prendas “trouxe ostras de Cacela. Sei que gosta” ou com pequenos gestos como tratar das duas plantas que enfeitam a minha secretária. Um grande sorriso.
Os últimos dois anos foram substituindo o sorriso por lágrimas. Da sua vida desapareceram grandes amores. E ela, pequena, tornava-se grande a falar do amor que punha em cada um.
O mês passado levaram-lhe o coração. Diz ela que é como se sente, com um vazio que é muito maior que as paredes da casa onde à noite, tem de voltar.
Disse-me que estavam juntos havia quarenta anos. Quarenta anos!
Disse-me que nos últimos tempos só pensava o quanto desejava que estivessem juntos por mais quarenta, que tinha esperança que acontecesse, mas que cada vez mais sabia da fragilidade humana e da inevitabilidade das coisas. Que a vida lhe tinha trocado as voltas ao plano reforma.
Que o amanhã era um futuro distante e que por isso todos os dias se sentava ao pé dele e lhe aquecia as mãos. E todos os dias o beijava de boa noite como se fosse a primeira e a última vez.
Foi como viveu os últimos tempos. Como se fosse a primeira e a última vez e que cada dia fosse uma vida.
E a inevitabilidade das coisas, que não passa pela mão de ninguém, a fazer das suas.
Hoje veio ter comigo. Trouxe-me mel. Eu dei-lhe as mãos e um beijo, e ela “ sabe, tinha este frasco para si e não quis que passasse de hoje. Não sei como é amanhã e este é seu.”
Até agora não consigo deixar de pensar na inevitabilidade das coisas e que hoje é hoje. Amanhã podemos estar vazios, mas agora estamos cá. É o que faz sentido.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
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