segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Descontos

À hora que Vicente morreu, Maria acabava o seu serviço dessa noite. Ajeitou as roupas e pôs-se a andar para sua casa, enquanto punha uma pastilha de mentol na boca "Aquele cabrão deve ter comido cebola!" pensou.
Eram 03H27 e ela só queria que a noite acabasse. Pensou em Vicente. Não sabia nada dele fazia, precisamente, 22 horas e 35 minutos.
" De todas as coisas que não podias, tratar-me como uma boneca que alivie as tuas bolas inchadas, tratar-me como uma puta, era a que te estava absolutamente proibida. Não podias fazer-me sentir assim!"
Maria recordava o que lhe tinha dito. Recordava o que lhe queimava mais do que aguardente em ferida aberta. Vicente sabia que a tinha na mão. Naquelas mãos pelas quais ela se perdera, nas mãos que lhe puxavam as saias, nas mãos que lhe mexiam no cabelo, nas mãos que lhe seguravam as mamas, nas mãos que se davam às suas em passeios escondidos.
Maria recordava o riso e a voz melada a dizer-lhe " Mas é o que és, a minha putazinha! Só minha e eu só teu."
Deixava-se ir mais uma vez, sempre a última, até à próxima que ele aparecia e lhe jurava amor e recomeçava tudo outra vez.
Cuspiu-lhe na cara quando Vicente se inclinou para a beijar "As putas não beijam na boca. Para não se apaixonarem" disse-lhe.
Ele parou o movimento mas não o riso "Isso já não conta, já és apaixonada por mim. E vives para me fazer feliz."
Maria acelerou o passo para chegar a casa. Estava frio. E mais frio quando se lembrava como se viu a espancá-lo até fazer sangue. A esmurrá-lo e a fazê-lo engolir o que dissera e como dissera. Tudo não tinha passado de uma fracção de segundos na sua mente. Tudo não tinha passado de uma projecção sobre si mesma. "De todas as coisas, fazeres-me sentir só uma puta, era o que não podias." Virou-lhe as costas e saiu, sem sequer lhe tocar a não ser na sua mente. Conseguia ouvir Vicente rir e a dizer " Anda cá, mas onde é que vais?"
Deixou-o no quarto que ele tinha alugado para que se encontrassem. Deixou-o a olhar para si, em sangue, em raiva. Deixou-o para sempre.
À hora que Vicente morreu, Maria Prostituta acabava o seu serviço da noite e voltava para casa.

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