" Vou partir
Como se fosses tu que me abandonasses (...)
Lembro-me que tinhamos fome havia três dias
encostado ao mármore da mesa de cabeceira dormia a fotografia
e o maço de português suave filtro
A escuridão não era só exterior
Conheciamo-nos pelo tacto e pelo olfacto
tornámo-nos murmurantes
e tu refulges ainda no escuro dos quartos que conhecemos
cruzámos olhares cúmplices
e falámos muito, não recordo bem do quê
e no calor dos corpos crescia o desejo
caminhámos pela cidade
eu metia as mãos nas algibeiras
onde tacteava tudo o que guardara e possuia
um lenço, uma caixa de fósforos um bloco de notas
sentia-me feliz por quase nada possuir
a imagem azulada de tuas mãos flutuava diante de mim
gesticulavas para me dizer que estávamos vivos e apaixonados (...)
Vou abandonar-te no lado claro da noite
onde o tempo é um fio de luz rasgando a espessura do corpo
vou partir
com estas manchas de frutos sorvados no coração
para sempre vagamundo
no corredor de espelhos sem tempo deixo-te o sonho
onde já não arde nenhum rosto nenhum nome
nenhuma voz de silente treva
nenhuma paixão.
abandono-te para além da linha nitida da manhã
onde dizem que tudo existe se transforma e continua vivo
longe
muito longe desta inocente memória das Índias."
Al Berto, O Medo
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
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