sexta-feira, 3 de abril de 2009

Esplanada

Ela chegou e sentou-se. Trazia um sorriso rasgado, aberto na blusa que deixava ver o peito duro. Ajeitou ligeiramente o decote, alisou o cabelo, não escondendo a pequena estrela que cintilava em cada olho.
Esperou, enquanto passava a mão, distraidamente, pelas plantas que ladeavam a esplanada. De vez em quando, suspirava mais fundo e sorria mais largamente.
Ele chegou e sentou-se sem sequer dizer boa tarde. Pediu uma água com gás, com rótulo verde, que combinava com a gravata emoldurada por um fato yuppie agarrado à aliança que brilhava quando batia o sol.
Os dois morenos, jovens, sussurrantes.
Notava-se a alegria infantil com que ela o olhava, por trás da câmara fotografia, que estudava poses, sem filtros de objectiva ou com o objectivo de fixar aquele momento, aquele rosto em todo o seu ser.
Ele pediu que não o fizesse, prendendo à nascente, o caudal que dela surgia.
Ela não percebeu e fincou os cotovelos na mesa, projectando o peito para a frente em boca de amuo, estudada para ser engraçada, provocadora, para que ele a fixasse.
O continuado sussurro dele com boca firme e olhos vigiantes começaram a endurecer a expressão dela. Primeiro espanto e o corpo a retesar-se na cadeira e os pés prontos para ir. Mas não foi e ,depois, veio o abandono ao som. Deixou-se ficar até ao fim. Até ao último som, que provocou simplesmente as águas paradas nos óculos escuros, como barragens cheias no inverno. Ele levantou-se e deixou um livro marcado para que ela se lembrasse sempre do lamento de qualquer coisa que ficou por fazer.
Paguei o meu café e deixei-a com a sua água salgadaa a molhar-lhe a roupa.

1 comentário:

Gonçalo Viana disse...

Gosto desta cena! é linda. não é uma cena feliz mas é bela, sobretudo pela escolha das palavras e sensibilidade na descrição das imagens. O leitor sente-se transportado para a esplanada, até senti o sol a queimar-me a pele (ah porra não era o sol a bater aqui na janela - pronto tinha de disparatar)
Belo.
mais uma insanidade opinitiva de
g
bjos