segunda-feira, 30 de março de 2009

Promoções

A vida como uma promoção de vendas. Como o meu primeiro e continuado emprego. Sorrisos mais sorrisos, um cliente, uma conversa, um cliente, uma degustação.
Como as que comecei a fazer aos 17 anos e não mais parei.
A vida como uma promoção, para que um produto seja conhecido, querido, adquirido.
Veste farda, esconde olheiras, estuda o sorriso, cala mal-estar, inspira e vamos. Sempre a sorrir mesmo que por dentro chova. Mesmo quando por dentro está tudo em desalinho. A sorrir “Bom dia, já conhece…?” e ninguém percebe que os dentes caíram e o sorriso é amarelo com riscos verdes de bílis.
Ir ao encontro do cliente “ Bom dia, estamos em promoção. Na compra de um leva dois. São dois num só, tem todas as vantagens de acomodar em pouco espaço e não requer nenhuma manutenção”. Dois produtos num só e tudo mais fácil, porque o tempo escasseia e mais vale que seja uma coisa polivalente, que dê para todos os usos.
A vida como uma promoção, quando se vai ao encontro, se tenta uma venda. Estar sempre a ir e a tentar. Pelo meio, os que dizem sim, para logo a seguir mudarem de ideias e devolverem. Pelo meio, os que dizem que sim mas que depois a caminho da caixa registadora abandonam o produto em qualquer prateleira cheia de frascos de maionese talhada com o calor. No relatório, as vendas a indicar um número que não é verdade. Um balanço estatístico de contabilidade organizada. Antes de desistir, tentar, como os recibos verdes, com o seguro de acidentes por nossa conta. Sempre. Diz o luto já anunciado à partida, no pânico branco que cega no momento.
Vem o próximo cliente e o corpo balança. Para que tentar? Já não ficaram tantos produtos abandonados? Para que tentar vender mais um? E se dizem que sim? Será que se acredita? “Digam-me só mais uma vez, quer mesmo levar?” Tentar acreditar, afinal o produto é bom, mas sempre o medo que afinal se tenha ouvido mal e esta não seja a promoção que querem. “Sim? Quer? Não se preocupe que o acompanho até à caixa.”, num modo perdulário e inútil, mas com graça na perseverança infantil, ingénua, da pequenina esperança do voucher de desconto.
Sorrir, “Bom dia, já conhece…?”
Despir a farda, tirar o molde, guardar. Afinal amanhã tem de se ir trabalhar outra vez. Com um sorriso. Mesmo na tempestade.

Não posso conduzir carros sem rádio!

“Esta manhã dói-me mais do que é costume
A pele
As escarificações
As cicatrizes
Doeu-me a noite de laços e espuma(…)
O silêncio
Os gritos em feixe
Dentro de mim.”
Paula Tavares
Manual para Amantes Desesperados

1 comentário:

Gonçalo Viana disse...

miss m (de metaforeira) este post dava um bom mote pa um livro! Metafora bem engendrada, diz o leitor, este leitor... se o compadre S passa por aqui ainda lhe saca a ideia pó próximo nobel... nice work!
bjos
g